‘SINTO QUE MINHA ALMA É GRANDE’.
- obomdemossoro
- 9 de mar. de 2016
- 5 min de leitura

ELENILSON SOARES DE MELO
Léo Mochila acaba de completar 44 anos de vida, tendo nascido em Mossoró em 04 de março de 1972. Para quem um médico do Rio de Janeiro havia previsto que não passaria dos 15 anos de idade, já está com um saldo positivo de 29 anos. “A vida é muito boa. Nunca reclamei do meu problema físico nem nunca deixei de fazer algo por causa dele. Pelo contrário, agradeço por tudo que tenho e faço. Sinto que minha alma é grande”, revela. Conversando com Léo durante mais de uma hora, percebemos o quanto é difícil extrair algum sentimento negativo de seu coração, nem mesmo lembranças tristes, arrependimentos ou frustrações. Pelo contrário, temos a nítida impressão que se existir algum problema presente na atmosfera que gira em torno de sua vida, ele está concentrado apenas na mente de quem o olha e acredita estar ali uma pessoa com uma deficiência muito grave e merecedora de pena ou outro sentimento menor. Para todos que convivem com ele no dia-a-dia, amigos e parentes, colegas de trabalho e de diversão, Léo demonstra ser, verdadeiramente, uma pessoa que se guia pelo bem, orientado por bons pensamentos e por seu sorriso fácil e presente a todo instante. Não carece de nenhum tipo de solidariedade adicional, fora aqueles sentimentos pelos quais todos nós precisamos em muitos momentos de nossa vida: carinho, atenção, respeito, amor verdadeiro pelo próximo.

LÉO É O SEGUNDO FILHO DOS CINCO QUE O CASAL Geraldo Ananias de Melo e Maria de Lourdes Soares Melo teve. O pai trabalhou no setor de refrigeração, somente na empresa Polocar foram mais de 30 anos consertando geladeiras e ar condicionados. Faleceu a quatro anos vítima de problemas decorrentes do alcoolismo. A mãe, doméstica, chegou a trabalhar na fábrica de castanha e também como costureira de estofados. Aposentada, hoje vive sozinha no bairro Belo Horizonte, mas recebendo diariamente a visita de todos os seus filhos: Everaldo, Léo, Raniele, Rosana e Regina. De todos, o único solteiro é Léo, que mora só na rua Joaquim Nabuco, vizinho a casa de sua tia Maria de Fátima Melo, irmã de seu Geraldo. Desde que nasceu, devido problema de escoliose, sempre recebeu olhares curiosos, mas nunca faltou o carinho e o amor de seus pais, irmãos e demais familiares. “Pelo que eu sei minhas idas aos médicos eram poucas e naturais, já que meu problema não cabia receitas, tratamentos ou maiores recomendações”, registra. Através de um artigo científico de autoria dos médicos Carla Rito, Elsa Marques e Fernanda Filipe com o título ‘Escolioses congénitas: diagnóstico e tratamento’, podemos ter a exata compreensão do problema físico que acometeu Léo. Segundo o estudo, as escolioses congénitas resultam de anomalias ocorridas durante o desenvolvimento vertebral no período embrionário. Sua incidência está estimada entre 0,5 a 1 por cada 1000 nascimentos, sendo mais frequente no sexo feminino, em uma proporcionalidade de 2,5 mulheres para cada homem. Para os clínicos de Medicina Física e de Reabilitação tem sido desafiador tratar ou solucionar os casos, pois é uma anomalia do desenvolvimento vertebral que causa curvaturas congénitas rígidas e refratarias ao tratamento conservador, o que aliado ao potencial de crescimento vertebral, pode resultar em graves deformidades da coluna. “O diagnóstico precoce e um bom acompanhamento clínico são a chave para evitar a progressão da escoliose e o aparecimento de complicações, como problemas cardíacos ou do aparelho respiratório”, diz o estudo.

SOMENTE QUANDO TINHA NOVE ANOS, quando já trabalhava carimbando sacos de 25 quilos que iriam para indústria salineira na fábrica de plástico JFMorais, do primo Jeová Freire de Morais, é que seu primeiro patrão, preocupado, providenciou uma viagem de Léo e da avó Maria de Alfredo para atendimento médico especializado na cidade do Rio de Janeiro. “De lá ouvi que era possível que eu não chegasse aos 15 anos, sob a argumentação de que com meu crescimento os órgãos poderiam sofrer muita pressão e eu teria problemas para respirar. Saí de lá com um colete de gesso com o qual passei dois meses. Ninguém entendia a razão dos meus gritos e choro até que um médico de Mossoró, que não lembro o nome, retirou o colete e mostrou a todos que meu tórax estava em pele viva. Lembro até hoje o calor insuportável que sofri naqueles tempos”, conta. Seu problema físico, no entanto, nunca lhe impediu de viver uma vida normal. Estudou apenas em duas escolas em sua vida: no Estadual e no Estevam Dantas, onde concluiu o ensino médio. Sempre passou de ano, mesmo com notas ‘arrastadas’. “Era na ‘peia’ que muitas vezes meu pai me mandava para escola. Eu queria mais era trabalhar e ganhar meu dinheiro”, confessa. Quando tinha 12 anos, um duro acontecimento mexeu com todos os filhos. Os pais se separaram, muito devido aos desentendimentos causados pela bebida, e eles ficaram morando com a mãe até o dia que ela decidiu ir trabalhar em São Paulo. Foi quando voltaram a viver com o pai na casa da avó paterna. “Tive que aprender a me virar. Acabei indo morar na casa de meu amigo Temistinho com quem tenho agradecimentos eternos, a ele e toda sua família”, enaltece. Apaixonado por skates, Léo vivia nas praças da cidade fazendo suas piruetas e manobras como Slide, Ollie, Flip, Nollie. Ágil e veloz tinha o esporte como grande terapia, se aperfeiçoando ao ponto de chegar a ser 2º lugar no ranking do Nordeste. “Foi onde fiz mais amizades e através do qual pude viajar muito para Natal, Recife, Fortaleza e Salvador. Também participei ativamente da luta dos skatistas mossoroenses por um espaço digno para prática do esporte”, conta. Foi em Salvador que ganhou o apelido de Léo Mochila, o qual mantém até hoje como sua marca registrada, tanto que colocou durante cinco anos uma loja de roupas e material esportivo que a denominou de Mochila Skate Shopping. Antes dela, Léo foi mecânico de moto, vendedor em uma loja de parafusos e cobrador da Farmácia Torquato onde recebia comissões que muito lhe ajudaram a custear as viagens para as competições esportivas.

LÉO TAMBÉM RECEBEU, DURANTE QUINZE ANOS, beneficio da Previdência Social que trancou a dois por ter sido contratado por uma empresa de pré-moldados da cidade, por intermédio do amigo engenheiro Gustavo. Trabalha no almoxarifado, mas também é motorista e faz serviços externos. Na fábrica todo mundo gosta dele devido sua simpatia, presteza e por nunca reclamar de nada. “Jamais fui de maldizer qualquer coisa. Muito menos a vida que tenho, o trabalho que me sustenta e os bens que ainda não possuo. Tenho o principal que é saúde e a vontade de trabalhar”, destaca Léo. Frequentador da igreja do Alto da Conceição tem na fé uma de suas bases. Mas também não deixa de ir aos barzinhos e baladas. Sempre foi muito namorador, festeiro e dançador, principalmente de forró. Diz já ter ouvido muito o famoso ‘Eu te amo’, mas não se apegou a ninguém ao ponto de querer casar. “Penso várias vezes antes de decidir se vale a pena perder um pouco de minha liberdade em um relacionamento”, explica. O conhecimento adquirido com a leitura, sua experiência em vencer a adversidade, além da personalidade extrovertida, fazem de Léo uma companhia sempre agradável. “Nos fins de semana bebo cerveja ou uma cachacinha, mas sempre sei quando devo parar. De segunda a sexta meu compromisso é com o trabalho. Acordo de 5 da manhã, vou ao Jornal de Fato ler as notícias do dia, passo na padaria e depois vou tomar café na empresa, onde também almoço e descanso, para às 17:30 retornar a minha casa. Esta é a minha vida, onde tudo vale a pena quando a alma não é pequena”, resume Léo Mochila.

Commenti