top of page
Buscar

O POETA DAS COISAS DO SERTÃO.

  • Foto do escritor: obomdemossoro
    obomdemossoro
  • 28 de fev. de 2016
  • 7 min de leitura

JOSÉ IVAN DE LIMA

Por quantas experiências devemos passar nesta vida para nos tornar completos, como cidadão, profissional e ser humano consciente e reconhecido por seus valores? O poeta e cantor Zé Lima passou por muitas, mas ainda carrega aos 58 anos de idade a certeza de que tem muito que melhorar, pois entende ser a vida uma escola permanente, onde apenas somos matriculados, sem nunca receber o definitivo diploma de conclusão. Coisas de poeta; coisas de um poeta do sertão. Nascido em Santana do Matos em 13 de janeiro de 1958, primeiro filho de seis que teve o casal Severino Batista de Lima e Maria Lindalva de Lima, Zé Lima foi criado na fazenda Pixoré, do avô Antônio Lelé e da avó Carmosina, comunidade onde morou até os 14 anos. Nela estudou no Grupo Escolar Meira e Sá, onde fez os primeiros anos do ensino fundamental. Segundo ele, foi o período de vida onde fez a base do que é até hoje. “O que assimilamos até os 15 anos de idade é o que faz o homem, ainda mais um poeta que interpreta e vivência as lembranças, emoções sentidas, momentos realizados e concretizados durante sua trajetória”, descreve. Seu Lelé tinha doze filhas e somente quatro filhos. Um problemão quando elas iam ficando adolescentes e querendo a todo instante frequentar festas. Sua ideia então foi trazer a diversão para própria fazenda, perto de seus olhos. Foi assim que as cantorias de viola entraram na vida do neto Zé Lima, lhe oferecendo as condições ideais para sua formação de poeta. Entre os artistas contratados estavam: Birico, de Cerro Corá, Expedito Timóteo, Chico Grajaú e Denar, quatro excelentes sanfoneiros. O primeiro que ele viu tocar foi Birico, cantando a música ‘Juazeiro’, de Luiz Gonzaga. “Aquilo ficou em minha memória. Birico acabou entrando para família ao casar com minha tia Angelina. Na época eu gostava muito de ler fábulas e com dez anos era apaixonado pela literatura de cordel. Minha mãe me ensinava em casa e aos seis anos, antes mesmo de ir para escola, já sabia ler e escrever.”, revela.

FOI A COLEÇÃO DO CORDELISTA MANOEL LOROTA QUE O INCENTIVOU. Natural de Santana, com mais de 10 mil livros de cordéis em casa, chamou Zé Lima para arrumar sua bagunça, pois tinha dificuldade em encontrar seus livros. Ainda menino, mas muito organizado, Zé lia tudo, relia, curiava, se esbaldava nos livros de Lorota. “Quando meu avô o levava para se apresentar era como se fosse o cinema de hoje em dia. Ele recitava, lendo, e eu ficava admirado. Mas fui além, além de recitar eu passei a decorar, para espanto e admiração de toda família”, lembra. Zé Lima foi tomando gosto pela arte e fez seus primeiros versos em homenagem a fazenda: “Pixoré tem o ar que as brancas fadas respiram / Tem o cheiro dos poemas que os horizontes suspiram / O Pixoré tem beleza que em Santana, com certeza, as outras fazendas não viram.” Nela, juntamente com os primos Moacir e Nicélio, Zé Lima tinha a tarefa de buscar as bezerras para ajudar os vaqueiros a tirar leite das vacas. O avô os acordava bem cedinho, pois ainda tinham que depois ir com os jumentos para trazer água no barreiro. “Éramos criados sem a preguiça de hoje”, destaca. Seu pai era também um tocador de viola, enquanto a mãe fazia versos de improviso, o que faz até hoje aos 82 anos de idade, morando em Mossoró. Por serem artistas, não se incomodaram nenhum pouco quando o filho, aos oito anos, já fazia seus versos sobre as coisas do vaqueiro e do sertão, seu universo. Aos 12 era o bibliotecário de Manoel Lorota, colocando seu acervo na ordem alfabética e começando a declamar cordel para a seleta plateia dos parentes. Aos 14 anos, um desentendimento familiar entre o pai e o avô fez sua família se mudar para Santana. As frentes de emergência fizeram Zé Lima carregar carrinhos de mão, abrindo estradas para SUDENE justificar o dinheiro da chamada indústria da seca. “Era fácil os peões construírem açudes para os fazendeiros bem conceituados na política dos coronéis do sertão”, instiga Zé. No Colégio Municipal João Teotônio fez até o exame de Admissão, pois aos 16 anos foi morar em Assu, terra dos Poetas, onde concluiu o ensino médio sempre com as melhores notas da turma.

ENQUANTO O PAI VEIO PARA MOSSORÓ DESMATAR AS TERRAS onde seria instalada a Maisa, a família ficou em Assu, onde Zé Lima fazia suas primeiras cantorias de viola. Conheceu o poeta Renato Caldas, assuense reconhecido em todo Brasil pela qualidade de seus versos. “Ele escrevia nos bares em guardanapos, para depois passar a limpo em casa suas mais belas poesias, como Fulô do Mato”, lembra. Para agradar as namoradas, Zé passou também a cantar o romantismo, e arranjou seu primeiro emprego no restaurante ‘O Rei da Carne de Sol’, do amigo Rivaldo. “Ele foi muito importante em minha vida por me deixar ser o discotecário de seu restaurante, com mais de mil discos de vinil que organizei para poder melhor escolher o que tocaria na radiola do estabelecimento”, conta. Assim, apaixonou-se por música, enriquecendo o sentimento poético. Passou a também ser garçom do restaurante, primeiro em troca da alimentação, depois foi ganhando fixo e também das comissões e caixinhas que recebia para botar as músicas preferidas dos clientes. Já aos 17 anos defendeu Assu no concurso ‘A Mais Bela Voz’, da rádio Rural de Mossoró. Ficou em segundo lugar cantando ‘Sonhos de Criança’, de José Augusto. Acabou ficando por Mossoró para trabalhar como motorista de caminhão no setor da construção civil. Depois foi para uma empresa de alimentos. Como sempre levava seu violão de lado, certa vez, o supervisor proibiu Zé Lima de viajar com o violão. Por desobedecer, acabou demitido da empresa. Resolveu então aceitar o convite do amigo Luis Fábio, compositor, para ganhar a vida em São Paulo. Tinha 19 anos e pegou um ônibus para cidade grande com o endereço do amigo no bolso. Ao chegar na rodoviária, às 4 da manhã, não encontrou o papel e dormiu por lá mesmo. Sem ter como se comunicar com o amigo, Zé Lima aceitou a proposta de um motorista de taxi que indicou uma pensão de um português que recebia muitos nordestinos. Chegando lá, viu logo um violão pendurado e já gostou. Pagou um mês adiantado e começou a tocar na noite. Apenas oito dias depois descobriu que aquele violão da parede era do amigo Luis Fábio e o endereço do papel era justamente a pensão onde ele estava.


NA CAPITAL PAULISTA CONHECEU VENÂNCIO, que ao lado do parceiro Curumba havia feito ‘No último Pau-de-Arara, sucesso interpretado por Fagner. A amizade com ele o tirou da pensão e abriu as portas para novos desafios. Na editora e produtora de Venâncio, além de poder conviver com um vasto acervo de livros, conheceu diversos artistas nacionais como Elis Regina, Clara Nunes e Jair Rodrigues, além de novos conhecimentos como a Macrobiótica, o espiritismo de Allan Kardec, o candomblé. “Venâncio me dizia que cego é aquele que não quer ler, e não aquele que não quer ver. Me ensinou que o pior analfabeto que existe é o político, que não tem consciência de seus direitos de cidadão, que não questiona, que só aceita, que não exige mudanças”, relembra. Com o amigo de produtor, Zé Lima lançou seu primeiro compacto, ainda com o nome artístico de Lima Junior, e depois participou do Festival Canta Nordeste, da rede Globo, em homenagem a Luiz Gonzaga. Ficou em 4º lugar com a música ‘Gonzaguiando no Fole’, de autoria do pernambucano Paulo Debétio. Neste festival conheceu Marcos Sena, que lhe proporcionou novas experiências no mundo musical. Com ele como produtor, passou seis meses se apresentando pelo Brasil, lançou seu primeiro LP, Gostoso tempero (1987). Conheceu também Bartô Galeno, com quem viajou por seis meses, vivendo o que se chama de verdadeiro show business. “Na minha cabeça aquele sucesso todo me satisfazia. Mas as normas, as regras rígidas, o aparato oficial fazia eu me sentir restrito, sufocado, e eu acabei me afastando do sistema oficial da gravadora”, conta. Acabou indo morar no Rio de Janeiro, com Marcos Sena, onde conheceu a turma do jornal Pasquim, da esquerda ferrenha. Era Ziraldo, Jaguar, Airton, tio de Marcos, Ronaldo Bosco, Augusto Cesar Vanucci, Carlos Miele, entre outros. “Virei um intelectual de esquerda, com direito a todos os dogmas sociais e revolucionários”, comenta Zé Lima. Começou daí a fazer músicas de protestos, que na verdade não tocavam além das reuniões clandestinas dos engajados. “Foi uma experiência somada, mas sem gravadora, acabei voltando para São Paulo, onde conheci o cantor Luis Vieira, que apresentava um programa na Band ao lado de Sérgio reis. Minha vida tomava novo rumo”, descreve.

CASOU COM A PRODUTORA DESTE PROGRAMA, Katheryn Grayce Valdrighi, com quem conviveu oito anos e teve dois filhos: Thiago, filosofo, e Caio, jornalista. “Com ela abriu-se minha vida para uma nova sensibilidade, ampliou-se meus horizontes com leituras novas, ricas, históricas e profundas. Me fez ler O Pequeno Príncipe, que ensina ternura, solidariedade e respeito. Ela me fez encontrar meu lado mais terno”, enaltece. O fim do relacionamento foi um momento de vida triste para Zé Lima, que já havia lançado mais dois LPs: Marginalizado (1989) e O Herói do Sertão (1995). Ainda ficou no sul mais um ano, em um relacionamento amoroso e profissional com a cantora Roberta Miranda, para ele, “A mulher mais romântica que conheceu em toda sua vida”. Tocavam na noite, se divertiam, ganhava, dinheiro, mas a tristeza do fim do casamento e a saudade do Sertão foram mais fortes. Zé Lima voltou para Mossoró e logo começou a promover cantorias, além de participar de seis festivais de música da TV Cabugi. Ganhou três deles, ficou em 2º em dois e 3º em outro. Também ganhou, mais recentemente, o Festival da Canção da Assembleia Legislativa. Também gravou o CD ‘Repente Nordestino’ e o CD/DVD ‘Muitos Caminhos para Milton Marques’, uma homenagem para o proprietário da TV Cabo Mossoró (TCM), onde há 9 anos faz o programa semanal ‘Coisas do sertão’, no ar às terças-feiras, 8:30 às 9:30h. Em suas andanças e aprendizados, frutificou mais quatro herdeiros pelos quais tem o maior carinho: Monalisa, cantora e funcionária de uma concessionária de veículos em Mossoró; Icaro Anthó, estudante e músico; e Luana e Jessica, estudantes. Além de promover a cantoria popular em seu programa e em eventos que organiza, Zé Lima se apresenta shows com suas músicas, poesias e cordéis de sua autoria, criados com base em sua vasta experiência vivida intensamente pelos palcos mais diversos, desde o sertão longínquo até as maiores metrópoles do país. “Vivo de minha profissão há 39 anos. Vivo da música, arte que conquistei com muito amor e dedicação, com gosto e paixão. Não fugi dos desafios quando eles me apareceram, encarei cada batalha, encontrei felicidade e sucesso. Mas hoje digo que tomar leite da vaca pela manhã e ouvir minha mãe poetisa declamar seus versos mais brilhantes, são momentos de intensa alegria, pois aprendi que está na simplicidade da vida, nossa maior riqueza de sentimentos”, resume o poeta das Coisas do Sertão.

 
 
 

Comments


DIÁRIOS DE MOSSORÓ
SIGA
  • Grey YouTube Icon
PARCEIROS
PENSAMENTO DO DIA

 

Tenho amor incondicional pelas pessoas que entram em minha vida e sinceramente, não sei o quanto isso é bom nos dias atuais. Talvez esse seja meu pior defeito.

Cazuza

 

PROCURE POR TAGS
  • Grey Facebook Icon

© 2015 por O bom de Mossoró

bottom of page