O MÁGICO DAS PALAVRAS.
- obomdemossoro
- 15 de nov. de 2015
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ANTONIO FRANCISCO TEIXEIRA DE MELO
O poeta Antonio Francisco nasceu em Lagoa do Mato e de lá só costuma sair para dar um pulinho no mundo. Está enraizado no terreno onde o avô fincou semente e o pai, Francisco Petronilo de Melo, fez brotar 17 rebentos, sendo 14 criados, juntamente com a patroa Pêdra Teixeira de Melo. O primeiro foi Antônio, em 21 de outubro de 1949, e os demais o seguiram para com ele experimentar todas as delícias das aventuras do viver. “O milagre era diário. Onde faltava dinheiro, sobrava felicidade. Os pré-natais de minha mãe eram lavando roupa no rio”, inicia o poeta. Tempo onde a fartura era outra. Tinha fava, tinha leite da vaca que conhecia, tinha a carne do porco e da galinha, tinha fruta, tinha peixe que podia ser pego com o pé de tanto que existia, tinha camarão de rojão, comida dos pobres que virou iguaria dos deuses da soberba, aqueles que embebidos pela besta da vaidade e arrogância preferem fechar os olhos para o próximo. “Hoje os meninos nascem com o cérebro bem pequeno, não pensam, não questionam. Enlatados pela mesa pronta não criam opções de conhecimento e nem precisam se esforçar para vencer. Nós aqui quebrávamos pedra, juntávamos oiticica para fábrica de óleo, descaroçávamos algodão. Mas tinha também diversão: quatro aviões subiam todo dia, pertinho de nossos olhos, os mesmos que curtiam as seis opções de cinema com seu mundo de fantasia. Alegrávamo-nos nos pastoris, nas quadrilhas, nos circos e parques de diversões, tudo simples, mas verdadeiro e humano”, recorda Antonio. Seu cinema favorito era o Caiçara, onde viu ‘Por Quem os Sinos Dobram’, ‘O Passado não Perdoa’ e ‘Minha Vontade é Lei’, preciosidades do cinema americano que não saíram da mente fervilhante do menino. Gostava também de jogar futebol, e só parou quando inventaram que tinha que colocar uma tal de chuteira, atrapalhando a naturalidade da coisa. Antonio Francisco estudou alfabetização na própria Lagoa do Mato, com dona Toinha, tia de Marcos do Sêbado, Almeida e Carlos, companheiros de leitura e das jornadas cinéfilas. “Quase que todas as semanas, ainda hoje, passo um tempinho com dona Toinha relembrando coisas, regando a plantinha da memória e nos fazendo feliz. Ela continua a morar aqui pertinho. Foi quem me ensinou a ler e escrever”, relata. O poeta estudou ainda nos colégios Moreira Dias e Estadual, vindo a fazer História na FURRN já aos 35 anos, pois o gosto da leitura o fez escolher um curso que pudesse ampliar seus conhecimentos, de forma que pudesse enxergar o mundo com a máxima precisão. Sem saber, estava se abastecendo para seu verdadeiro e grande dom: a arte da literatura.

SEM PAIXÃO NÃO HÁ INSPIRAÇÃO – Por Khalil Gibran, ‘um ensaísta, filósofo, prosador, poeta, conferencista e pintor de origem libanesa, cujos escritos, eivados de profunda e simples beleza e espiritualidade, alcançaram a admiração do público de todo o mundo’ (Wikipédia), Antonio se apaixonou. Uma paixão de essência, como se já fossem cumplices e parceiros de muitas encarnações. Leu primeiro ‘O Profeta’, depois degustou tudo o mais que encontrou pela frente escrito por ele. “Às vezes, quando encontro nas minhas andanças um livro dele, compro mesmo que eu já tenha em casa”, admite. José de Alencar, Raquel de Queiroz, Victor Hugo e os mossoroenses Luis Campos e Crispiniano Neto são outros autores citados em sua explicação sobre como chegou a uma produção tão rica e vasta na arte literária. Mas sua vida profissional começou em outra área. Ao vender peixe em uma sapataria, o primo Lula, que era solador, lhe disse que deveria aprender um ofício. Facilidade de aprender era com ele mesmo. Começou então a fazer sapatos e sandálias com maestria na fábrica Passarela, de Nascimento Duarte. Fazia com perfeição o calçado fino feminino chamado ballet, usado nas aulas das dançarinas. Sua arte fez com que um primo de seu pai, Toinho Vitor, o levasse para sua fábrica em Natal. Por lá ficou dos 17 aos 20 anos, sendo que o último foi para servir o exército no 16º Regimento de Infantaria. Quando retornou para Mossoró, foi trabalhar na fábrica de calçados de Chico de Lica, recém-falecido, no bairro Doze Anos. Vizinho ao negócio morava Josenira Maia de Melo (Nira), uma costureira que ‘fazia roupas maravilhosas’ e que encantou o futuro poeta. Namoraram três anos e casaram em 17 de julho de 1973. Relação que completou 42 anos de cumplicidade, companheirismo e todos os demais sentimentos que fazem um completar outro. Dela nasceram Adriadna, que trabalha na área administrativa de uma transportadora; Adjan, falecido aos 16 anos em um acidente no rio Mossoró; e Joana Pêdra, empresária no ramo de lavagem ecológica. Dois netos são seus tesouros: Antonio Francisco Neto e Aldimar Segundo. “Para ser poeta é preciso ser um apaixonado, pois o que a gente escreve é aquilo que nosso corpo sente”, explica. “Escrever é meditar todo dia, o dia inteiro. Fazer do vento uma escada, do luar um candeeiro, pra ver o rosto de Deus por trás do nevoeiro”, completa.

ARTES COM AS MÃOS E A MENTE – Ainda sem escrever, Antonio corria atrás de recursos para cuidar bem de sua prole. Deixou a arte dos couros e enveredou na das letras, mas apenas nas paredes, fachadas, papéis e veredas. Abrindo letreiros com tinta, pincel e certeza de que morrer de fome não iria, enquanto tivesse gentileza. Foi contratado pelo protético Antonio Miranda para espalhar sua propaganda na cidade, e depois pela distribuidora de bebidas do aguardente Caranguejo, onde pintou veículos, portas e fachadas por todo o estado do Rio Grande do Norte. Depois foi pintor automotivo, de bicicleta e geladeira, chegando à área onde encerrou essa parte de sua vida, pintando placas de automóveis, na rua Frei Miguelinho, quando ainda era em barro batido. “Por toda minha vida utilizei as mãos para ganhar dinheiro. Fazendo calçados, abrindo letreiros, produzindo placas e quando criança criando peão, baladeira, espingarda para as caçadas de menino. Ao aliar minhas mãos ao bom e criativo pensamento, passei a ver sentido no escrever e recitar aquilo que produzia, em versos de ousadia, realidade e beleza”, rima o poeta. Máquinas modernas chegaram para fazer as placas de forma mais rápida e com menor custo. Adesivos coloridos substituíram seus desenhos perfeitos nas bicicletas da meninada. Tinha 45 anos de idade quando, se sentindo desgostoso com a modernidade, foi chorar suas lágrimas nas poesias ritmadas do cordel. Os poetas Luis Campos e Crispiniano Neto o incentivaram. Entre os 45 e os 51 anos, foi descrevendo sua vida, seus pensamentos e ideias em versos que aos poucos criavam consistência e vida própria. Quando descobriu que podia decorá-los, para recitar em alto e bom som, dividindo a magia com ouvidos e olhares deslumbrados de crianças, jovens e adultos estupefatos, encontrou o seu caminho. O mestre Vingt-um Rosado o convidou para publicar o primeiro livro: ‘Dez cordéis em um Cordel Só’, vendendo mais de 150 livros no lançamento, coisa assombrosa em Mossoró. Vieram os convites para apresentação em escolas e eventos culturais, seus textos viraram peça de teatro, tema de vestibular, recomendação escolar... Antonio Francisco entrava no seleto time de agentes culturais, como um legítimo representante da cultura popular. Em 15 de maio de 2006, aos 56 anos de idade, tomou posse na Academia Brasileira de Literatura de Cordel (ABLC), na cadeira 15 cujo patrono é o poeta cearense Patativa do Assaré. Para este momento brilhante Antonio escreveu: “Eu vou sentar com cuidado/Na pontinha da cadeira/E agradecer à Deus/À Academia inteira/Ao nosso Marcos Lucena/E a Gonçalo Ferreira. E dizer a Patativa,/Meu guia, mestre e xará:/- Poeta, faça bonito/Aí do lado de lá/Que eu vou ver o que faço/De calça curta e chinela/Aqui, do lado de cá!

UM NOME DA CULTURA BRASILEIRA – Com os anos, vieram mais quatro livros de extrema qualidade, que orgulham não só o povo mossoroense, como toda a nação literária brasileira: ‘Por Motivos de Versos’; Veredas de Sombra’; ‘Sete Contos de Maria’; e ‘O Olho Torto do Rei’. Produtos que trazem o sustento necessário para sua manutenção e de sua família, em uma casa incrustrada no bairro Lagoa do Mato, com biblioteca pública e gratuita na soleira intitulada ‘Poeta Lalauzinho de Lalau’, aquários convidativos na sala de estar, peixes no quintal a relembrar a antiga Lagoa de sua infância, muitos prêmios, fotos e lembranças penduradas nas paredes e a rede sempre armada para o descanso e inspiração do artista. Sem esquecer o chá de cidreira ou o cafezinho convidativo de Dona Nira. Em 2012, com incentivo da Petrobrás, os cinco livros foram transformados em uma coleção, que conta ainda com dois CDs onde Antonio Francisco recita seus conteúdos. A qualidade de sua criação é a grande responsável pelo reconhecimento do público, do mundo cultural e da critica especializada. Através de suas linhas rimadas, o amante de viagens de bicicleta faz pessoas viajarem na raiz de seus sentimentos, cobrando-as mais atenção, respeito e valores não só para construção de um mundo melhor, como para consciência de que este é o nosso único objetivo de estar no fantástico mundo de Deus: o de amar a si mesmo e aos outros com a máxima intensidade.

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