UM BAIRRO CHAMADO LAGOA DO MATO.
- Poeta Antonio Francisco
- 14 de nov. de 2015
- 2 min de leitura

Nasci numa casa de frente pra linha, Num bairro chamado Lagoa do Mato. Cresci vendo a garça, a marreca e o pato, Brincando por trás da nossa cozinha. A tarde chamava o vento que vinha Das bandas da praia pra nos abanar. Titia gritava: está pronto o jantar! O Sol se deitava, a Lua saía, O trem apitava, a máquina gemia, Soltando faísca de fogo no ar.
O galo cantava, peru respondia, Carão dava um grito quebrando aruá, A cobra piava caçando preá, Cantava em dueto o sapo e a jia, Aguapé se deitava e depois se abria, Soltava seu cheiro nos braços do ar O vento trazia pro nosso pomar, Vovô se sentava no meio da gente Contando história de cabra valente Ouvindo lá fora do vento cantar.
A lua entrava na casa da gente, Batia com força nas quatro paredes. Seus cacos caíam debaixo das redes Pintando na sala um céu diferente. Quando ela saía chegava o sol quente E com ele Zequinha pra gente brincar, Comer melancia, depois se banhar Nas águas barrentas daquela lagoa. A vida era simples, barata, tão boa, Que a gente nem via o tempo passar.
O peixe batia, a água espanava, A gente pegava uma ponta de linha, Amarrava um anzol numa vara que tinha E ia pra onde o peixe pulava. Num quarto de hora a gente voltava, Já tinha traíra pra gente almoçar, Piaba, manteiga pra gente fritar, Titia fritava e a gente comia. Faltava dinheiro, sobrava alegria Naquele pequeno pedaço de lar.
Mas hoje nosso bairro está diferente. Calou-se o carão que cantava na croa, A boca do tempo comeu a lagoa E com ela se foi o sossego da gente. O vento que sopra agora é mais quente E sem energia não sabe soprar. A máquina do trem deixou de passar, Ninguém olha mais pros raios da Lua Que vivem perdidos no meio da rua Por trás dos neóns sem poder brilhar.
Perdeu-se a traíra debaixo do barro, O sapo e a jia também foram embora. Aguapé criou pé, deu no pé e agora? Só rosas de plástico tristonhas num jarro, Fumaça de lixo, descarga de carro, Suor de esgoto pra gente cheirar, Telefone gritando pra gente pagar, Um louco na rua rasgando uma moto, Um besta na porta pedindo o meu voto E outro lá fora querendo comprar.
Um carro de som fanhoso bodeja: Tem água de coco, tem caldo de cana, Cocada de leite, gelé de banana, Remédio pra caspa, tem copo, bandeja. Uns quatro vizinhos brincando de igreja Vão para a calçada depois do jantar. O mais exaltado começa a pregar: Jesus é fiel, castiga, mas ama! E eu sem dormir rolando na cama Pedindo a Jesus pro culto acabar.
E pegue zoada por trás do quintal: Salada, paul, pomada, paçoca, Pamonha, canjica, bejú, tapioca, A do Zé tem mais coco, a do Pepe é legal! Dez bola, dez bola, só custa um real! Mas traga a vasilha pra não derramar! Apuveite! Apuveite! Que vai se acabar! E alguém grita: gol! Minha casa estremece E eu digo baixinho: meu Deus se eu pudesse Armar minha rede no fundo do mar!
* Cordel do Livro 'Por Motivos De Versos'.
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