A VIDA E A ARTE DE MANJÁ.
- obomdemossoro
- 12 de nov. de 2015
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MARIA DA CONCEIÇÃO BARBOSA (MANJÁ)
Maria, a segunda dos dez filhos do alfaiate Zoivo Barbosa, nasceu em Mossoró em 16 de dezembro de 1947, e se tronou sua principal parceira nas duas áreas que mais amava: o futebol e sua alfaiataria, que ficava próxima a Praça do Codó. Um dos fundadores do Baraúnas Futebol Clube, foi Zoivo que convocou o prefeito Antônio Rodrigues de Carvalho para solicitar ao governador da época o terreno para construção de um estádio de futebol. Com o êxito do pedido, saiu arrecadando o material necessário para construção do que hoje é o Manoel Leonardo Nogueira, o Nogueirão. De tanto amor que tinha pelo esporte, foi também o criador de escolinhas de futebol, inclusive formando duas equipes de futebol feminino. De tão inusitado, em uma época em que ninguém tinha notícia de mulher jogando futebol, um jogo realizado entre elas atraiu até o governador Cortez Pereira, que assistiu e saiu dizendo que foi ‘a coisa mais linda que já tinha visto na vida’. Maria era meia direita de uma das equipes, e uma das craques da escolinha. Ela cita outras que também se destacavam: a irmã Núbia, Afan e sua irmã Gorete, Terezinha e Pelé. “Os treinos eram em frente a nossa casa, no bairro Belo Horizonte, e eram bastante concorridos, pois meu pai nos preparava com muita disciplina e firmeza”, conta. Nos quase três anos de existência da escolinha e das equipes femininas, Maria era quem substituía o pai nas suas raras ausências.

IEMANJÁ LHE DEU UM NOVO NOME – Apenas a sua mãe, Severina Alves Barbosa (Vina) a chamava de Maria da Conceição. Era um amor muito grande entre as duas, interrompido no último mês de maio quando dona Vina se despediu desta vida por problemas naturais da idade. “Estou sem chão até hoje”, confessa Maria. Seu Zoivo, aos 92 anos, também viu estremecer sua saúde com a ausência do grande amor. Anda triste, perdendo a memória e abalado, pois sua companheira de tão longa jornada já não está presente para dividir os desafios do dia-a-dia. Quando na infância, Maria ajudava a mãe na produção dos lindos tapetes de sobras de tecido. Gostava também de vê-la pintar panos de prato, nas folgas que tinha das tarefas de cuidar dos dez filhos. “As dificuldades existiam, mas nosso pai sustentava a todos e ainda orientava para que nos dedicássemos aos estudos”, lembra Maria. Ela mesma estudou nas escolas Moreira Dias, no Anexo II e no Estadual, mas só aos 37 anos ingressou no curso de Geografia da UERN, interrompido no sexto período devido um acidente. “Tinha terminado uma prova e sentei em um banco de cimento sem perceber que ele estava solto, ao me levantar, ele pegou na altura baixa de minha perna esquerda, por trás, rasgando tudo, tanto que foram precisos 24 pontos no local. Durante dois meses fiquei nas mãos dos outros, impossibilitada de andar,” lembra. Como desde criança gostava de criar objetos de arte, até para servir de brinquedo, o acidente a fez se dedicar ainda mais a esta atividade. As árvores de natal com palitos de picolé e os carrinhos de lata foram, aos poucos, sendo substituídos por imagens de gesso para sua própria loja, que abriu em 1977, no centro da cidade. A ‘Casa Iemanjá’ vendia produtos de umbanda: santos, defumador, banhos, perfumes, velas, entre outros. Maria pegava as imagens, tirava o molde em gesso e produzia aqueles mais procurados. Dava o acabamento e pintava. Faz isso até hoje. “Com a loja meu nome mudou. Passei a ser chamada pelo nome ‘Manjá’, pois de forma natural as pessoas passaram a entender que o nome da loja se referia a minha pessoa”, explica.

A ARTE VENDIDA NA PRAÇA – A ideia da loja de Umbanda surgiu em Brasília. A convite do grande amigo Neguinho, que era motorista de um tribunal federal na capital do país, Zoivo foi convencido que poderia ganhar bem melhor se abrisse sua alfaiataria por lá. Os dois arrumaram uma sala em um prédio de boa localização e seu Zoivo foi fazer ternos, calças e camisas para a alta corte o país. Passou pouco mais de um ano por lá, pois a saudade por seu Baraúnas e por sua Mossoró falou mais alto. Dos seis filhos que foram com ele e dona Vina em uma Kombi própria, três ficaram por Brasília mais um tempo: Manjá, Sebastião e Rodrigo. Naquela cidade, Manjá trabalhou durante três anos e sete meses como cobradora de ônibus. Com o dinheiro que ganhou comprou um terreno e um carro manguinha, vendido logo depois por ela não saber ainda dirigir. Com o terreno fez o negócio que a trouxe de volta a Mossoró: o trocou por material de umbanda que veio todo dentro de caixas em ônibus de linha. A loja ela manteve até o início dos anos 2000. Já aposentada, em 06 de fevereiro de 2001, alugou a casa na Avenida Alberto Maranhão onde mora até hoje e onde faz seus artesanatos utilizando gesso, cabaças, palito de picolé, búzios, lâmpadas, vidros de remédio, entre outros materiais, transformando-os em artigos de presente e decoração inusitados como abajur, quebra-luz, lamparina, em modelos que ela mesma cria. Faz ainda porta chaves e cortinas em cabaça, além de pintar quadros. Todos as sextas e sábados coloca seus produtos para vender na Feira de Artesanato da Praça de Convivência, na Avenida Rio Branco. Durante anos Manjá também foi ambulante nos grandes eventos da cidade, vendendo bebidas em isopor, de onde tirava o dinheiro para investir em seu artesanato.

FAMÍLIA É O SUSTENTÁCULO DA VIDA – Manjá diz que onde se sente mais feliz é na Feira de Artesanato, lugar onde é reconhecida por seu trabalho manual. No entanto, não consegue esconder sua decepção com o ser humano, o amor e certas amizades. “A gente vai vivendo e criando certo desgosto com as pessoas. Sempre esperamos mais do que recebemos”, descreve. Sua solidão divide com 13 gatos, dos quais tem o maior bem e os alimenta diariamente com o maior prazer. Aos domingos, almoça na casa da irmã Rúbia, onde vive o pai e duas sobrinhas. “A família é nosso sustentáculo maior. Sem ela somos seres inexistentes, sem apoio, sem âncora, sem norte. Pois na hora do aperto e dos momentos mais difíceis as pessoas que não tem vínculos fortes fogem, somem, escapam”, resume. Até o corcel 77 que está em frente a sua casa em estado terminal, e que comprou há mais de 15 anos, Manjá está colocando para vender com o objetivo de pagar uma necessária cirurgia de catarata. “Quem chegar com R$ 3 mil reais pode levar. Vendo com uma dor no coração, pois com meu corcel fui feliz demais, vendendo bebida, passeando, me divertindo, me sentindo livre. Sem ele é mais um pedaço de mim que ficará no passado. Mas vou ficando aqui ao lado de nosso bom Deus, nossa força maior e que abençoa a todos com sua luz e sabedoria”, se despede a guerreira Manjá.

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