DINDINS DE UM HOMEM HONESTO E BOM.
- obomdemossoro
- 30 de out. de 2015
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DOMÍCIO MANOEL DO NASCIMENTO
Seu Domício nasceu em Serra Negra do Norte, município vizinho à Caicó, em 18 de novembro de 1946. Vai comemorar seus 69 anos satisfeito em ter adquirido seu primeiro transporte motorizado de sua vida. Em maio último, comprou uma moto Traxx novinha, para qual pagou R$ 1.000,00 à vista e financiou o restante através de empréstimo consignado de sua aposentadoria em 60 prestações de R$ 72,00. “Vou com ela comprar as frutas na Cobal para produzir os dindins”, conta. Ele é o décimo filho dos treze do casal de agricultores Manoel Francisco do Nascimento, falecido de tuberculose quando tinha apenas dez anos, e Maria Constantina da Conceição, falecida em 1977 com problemas depressivos, já cega devido o glaucoma. Ao perder o pai, no entanto, Domício foi presenteado com uma nova família. Uma comadre da mãe, Maria Medeiros Monteiro da Nobrega, o levou para sua casa, na Fazenda Caracara, localizada a 20km de São Bento da Paraíba. Além da nova mãe carinhosa e amiga, ganhou um pai atencioso, Manoel Monteiro da Nóbrega, e novos 11 irmãos, hoje quase todos formados e lhes querendo um bem verdadeiro. “Na Fazenda eu fazia de tudo: entregava o leite, trabalhava de vaqueiro, fazia queijo, mas o melhor é que eu tinha uma família de verdade. Só sai de lá para servir o exército, em Caicó, no ano de 1967”, relata. Neste mesmo ano, seu pai adotivo sofreu um infarto fulminante em uma vaquejada em Brejo do Cruz, assistindo seus filhos correndo na pista. Sua ‘mãe de coração’ faleceu somente no ano passado. “Aos 93 anos e dez meses”, detalha Domício, demonstrando que ainda está inconformado com a perda de sua maior amiga. “Aprendi tudo com ela. Nunca bebi, nunca farreei, nunca deixei de tomar atitudes honestas e justas, pois ela me ensinou a ser um homem de verdade desde cedo”, conta com lágrimas nos olhos. E continua: “Foi ela que me disse que tudo que a gente pega e que não é nosso acaba sujando nossas mãos. Ensinou-me a nunca entrar em confusão, pois sempre saímos perdendo; a ter confiança nos outros; a saber que muitas vezes vão-se os anéis mas ficam-se os dedos; a não julgar ninguém, principalmente com base apenas na aparência”, lista o emocionado Domício.

A MÃE QUE FOI TUDO EM SUA VIDA – O homem bom que se formou para vida, conta que alguns meses atrás uma amiga lhe pediu para fazer algumas compras em seu cartão de crédito. Inocente, levou um prejuízo de mais de R$ 4 mil, que hoje já chega aos R$ 12 mil, além de ter ficado com o nome sujo na praça. “Fui ser bom e acabei perdendo a amizade, pois ela não gostou quando fui lhe cobrar. Resolvi entregar a Deus esta dívida, pois meus irmãos me aconselharam a não sujar minhas mãos e estragar a vida de minha família”, revela. De tanto amor que tem pela mãe adotiva, é ele quem mais se preocupa em fazer a manutenção de seu túmulo, no cemitério de Caicó. A cidade foi onde ela fez a maior parte de sua vida, criando além de seus filhos genéticos, mais uma dezena de outros a quem sempre estava disposta a ajudar. Segundo Domício, era uma luz que irradiava todos os que estavam ao seu redor. “Mas do que a dinheiro, que ela não tinha muito apreço, ela amava as pessoas, dando de comer a quem precisasse, doando alimentos em épocas de seca a quem nada tinha”, relembra. Bem criado, bem orientado, trabalhador e honesto, Domício só não teve como estudar. Nunca frequentou uma sala de aula. Assim como Creuza dos Santos Nascimento, que conheceu em 1966, quando ela tinha 18 anos. Casaram em 1968, depois que terminou o serviço militar, quando foram morar em uma casinha em Caicó. Pouco tempo depois, Domício arranjou serviço na Chesf, a companhia Hidro Elétrica do São Francisco, onde trabalhou dois anos na cidade de Paulo Afonso, ajudando a construir a usina de energia. “Estava presente no dia em que vi 38 companheiros da obra morrerem quando um túnel despencou. Quebrei minha perna esquerda em três lugares, mas só tenho que agradecer em estar vivo. Eram mais de dois mil trabalhadores presentes naquele dia”, conta. Neste período, a esposa ficará em Caicó, cidade onde nasceram os três primeiros filhos do casal: Maria de Fátima, Edmilson e Solange. Em Mossoró, para onde vieram depois que Domício deixou o emprego na Bahia, nasceram mais seis filhos: Manoel, Rosa Maria, Nelsa, Yara Maria, Edilson e Naldo. Deles já vieram 14 netos e dois bisnetos para iluminar a vida dos avós, porém, duas grandes tristezas marcaram a vida de Domício: as mortes dos filhos Edmilson e Edilson, ambas por tratamentos médicos mal sucedidos, pensa ele.

O TRABALHO DIGNIFICA O HOMEM – Em Mossoró, Domício trabalhou algum tempo nas fazendas de fruticultura. Primeiro na São João, depois na Maísa, e ainda arrancando toco em fazendas do Ceará. Em 1975, fez os cursos de pedreiro e de encanador e a partir daí nunca faltou serviço em sua vida, fazendo com que ele pudesse alimentar e orientar da melhor forma seus filhos e seu casamento. “Não saber ler e escrever é muito ruim. Eu e Creuza nos arrependemos de não ter estudado, por isso fizemos o possível para que nossos filhos tivessem suas formações”, diz. Há três anos, Domício se aposentou, deixando de trabalhar de pedreiro para os outros. Mas depois que construiu sua própria casa, no Alto de São Manoel. No ano passado, decidiu com Creuza vender dindin para ajudar nas despesas da família. A princípio era somente em casa, mas depois foi oferecendo em sua bicicleta nas construções, e hoje roda diariamente por toda a região que vai do Posto 30 de Setembro, na saída para Areia Branca, até o beco das frutas, no centro de Mossoró. Vende cerca de 30, 40 dindins por dia. “As pessoas estão cada dia com menos dinheiro, até para comprar um dindin de R$ 1,00. Estão apertadas e não acreditam mais na palavra desses políticos que tudo prometem, mas nada fazem”, revela. Sua maior preocupação é com o avanço do glaucoma, doença que afetou sua mãe de sangue e vários de seus irmãos. Na TV só assiste o jornal. O que gosta mesmo é de ligar seu aparelho de som, que comprou com o dinheiro dos dindins, para ouvir forró e brega. “Fico entusiasmado vendo meus netos lendo e escrevendo, brincando em minha sala, enchendo de alegria a nossa vida. Tenho uma família unida na paz e na vontade de trabalhar, e isto me realiza e preenche meu coração”, resume o feliz Domício.

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