TU QUE TANTO JÁ VOOU... 2ª parte
- obomdemossoro
- 23 de out. de 2015
- 6 min de leitura

JOSÉ WILSON DA COSTA (SABIÁ DA COSTA)
Sabiá tinha apenas 18 anos quando saiu de Mossoró com uma bolsa nas costas, pouco dinheiro e uma certeza: precisava formar seus ouvidos, era um servo dos sons. Predestinado, sentia que podia caminhar, pois tudo que tinha que viver estava logo ali, a sua frente, nos dias e noites que se seguiriam, trazendo as experiências necessárias ao seu engrandecimento como homem, espírito de Deus e profissional da percussão. Passou por Natal e João Pessoa antes de chegar a Recife. Na capital pernambucana parou mais um pouco. Tinha que sentir as forças do Maracatu, Caboclinho, Coco de Roda e Ciranda. No rico point cultural daquela terra, Sabiá fez pouso renovador até partir para Maceió e Aracajú. Em Salvador, respirou a dimensão cultural do mundo afro baiano, bebeu dos encantos da terra de Dorival Caymmi e seus fantásticos pupilos. No Rio de Janeiro somou a sua bagagem as artimanhas do samba no pé, de breque, do partido alto. O negócio de Sabiá era tocar nas praças, ruas, circos, cabarés e onde mais houvesse público. Seu mundo escolar, definitivamente, era aquele. Foram dois anos de curso incentivo até voltar para sua Mossoró. Aos vinte anos se sentia um profissional formado e experiente, capaz de enfrentar qualquer outro palco da vida. Estava decidido a fazer o mesmo roteiro, desta vez sem nada mais marcado na agenda do destino. Ele é quem iria escrever cada capítulo. Assim aconteceu desde sua nova chegada à Natal. Já no Forte dos Reis Magos, ouvido por Teresinha de Jesus, recebeu o convite para fazer com ela duas apresentações no Teatro Alberto Maranhão. Começava sua carreira artística nos grandes palcos, algo que tempos atrás parecia apenas um sonho de menino. Em Recife, conheceu Geraldo Azevedo com quem tocou em algumas oportunidades, e que o apresentou aos músicos de Alceu Valença. Daí para conhecer aquele que por oito anos foi eleito o maior percussionista do mundo pela revista americana Down Beat foi um pequeno passo: Naná Vasconcelos. “Trocamos ideias, impressões, sons e energias magistrais”, diz Sabiá.

EM SALVADOR FICOU, PARA VOAR AINDA MAIS – “Nunca vou me esquecer do dia em que retornei a Salvador. Era o Dia da Consciência Negra, sendo festejado por todas as crenças. Parecia que eu estava em outra dimensão. A efervescência dos ritmos me contagiava. Seus tambores, seu povo, dançarinos, cheiros, cores e gostos envolviam minha mente em um convite permanente para viver a alegria. Estava em êxtase”, descreve Sabiá. Sem ter onde dormir, noites e noites pulava o muro de trás da casa que abrigava os Filhos de Gandhi e, com um papelão, se protegia do chão grosso e do vento frio da capital baiana. Passava o dia rodando a cidade, desde a Praça Castro Alves, passando pelo Mercado Central, admirando a estatua de Tomé de Souza, a lagoa do Abaeté. Certa vez se ‘ariou’ e desceu do ônibus no lugar errado. Era o bairro da Liberdade, onde viu uma senhora vendendo acarajé com alguma dificuldade em receber o dinheiro e passar o troco. Sabiá então se prontificou a ajudá-la. Com ela ficou um bom tempo de sua vida, e até alugou um quartinho para não mais dormir ao relento. Enquanto vendia acarajé, Sabiá via todo dia um rapaz vendendo picolé. Ao final do dia, depois que vendia tudo, achava estranho ele pegar um taxi para voltar a sua casa. Tempos depois, conheceu e se tornou amigo daquele ‘esnobe’, que na verdade sempre foi marrento e decidido. Era nada mais, nada menos, do que aquele que hoje é conhecido pela alcunha de Carlinhos Brow. O leitor não se surpreenda. A mulher do acarajé com quem Sabiá trabalhava, simplesmente, era a mãe de Waltinho Cruz, o percussionista da banda Scorpius, que viria a se tornar Chiclete com Banana. O destino estava acomodando Sabiá a seu verdadeiro ambiente, a sua floresta de sons. Como no dia em que entrou na Fundação Pierre Verger, no Pelourinho, e ao sair esbarrou com o percussionista Djalma Correia, na época gravando o tema para o filme ‘Tenda dos Milagres’. Desta conversa, surgiu a oportunidade para Sabiá conhecer ainda mais sobre os sons e as histórias que formam a riqueza das crenças desenvolvidas na Bahia e seu mundo de personagens elevados como Logun Edé, Oxum, Oxóssi, Olodum, Exú, Xangô, Iansã e tantos outros.

NOVAS LENDAS DA ARTE E DA MÚSICA EM SEU CAMINHO – Tempos depois, através do músico Luis Carlos Ferretti, Sabiá conheceu o cantor Raimundo Sodré, que viria a ficar conhecido em todo o Brasil com a música ‘A Massa’, cantada em um Festival de Música da rede Globo. Com ele, sabiá tocou várias vezes na Casa da Bahia Gregório de Matos, localizado no chamado Corredor da Vitória. Teve ainda as experiências com a banda Chiclete com Banana e com Armandinho, do trio de Dodô e Osmar. “Toda a experiência musical que tive na Bahia não tem como dimensionar. Foi tudo e muito mais um pouco do que eu podia imaginar. De repente eu estava no meio de toda a aquela geração de músicos reconhecidos e valorizados. Era o meio mundo, aquele que vislumbrei em meus sonhos e fui atrás para vivê-lo intensamente”, resume Sabiá. Convidado pelo artista plástico Wilmar Rodemary para tocar em sua exposição de quadros em São Paulo, Sabiá iniciava sua temporada paulista de conhecimentos. Estabilizou-se na capital paulista, onde ficou até 1989, sem deixar de dar seus pulos em salvador. Na Praça da república, conheceu Duda Neves, na época baterista de Arrigo Barnabé. A parceria com Duda rendeu muitas apresentações, com inúmeros artistas, inclusive o próprio Barnabé. Foram festivais de música, shows em universidades e nos famosos palcos da cultura paulista. “Em um show onde eu iria tocar Zambumba, Hermeto Pascoal subiu no palco e já chegou gritando: ‘Voa Sabiá!’. O resto da turma ficou pensando que ele já me conhecia de muito tempo. Mas não, ele apenas já tinha ouvido falar de meu trabalho. Acabamos fazendo uma boa amizade. Neste tempo e neste ambiente pude tocar ainda com Morais Moreira, Tânia Alves, Jonas Filho, Luis Fagner, Deo Lopes, Gilberto Gil, Joyce... e por aí vai”, relata.

A EUROPA É LOGO ALI – De São Paulo para o Rio Grande do Sul, onde foi trabalhar em um documentário de Andreia Santos, denominado ‘Sentimento Atlântico’. Na apresentação deste trabalho no Festival de Gramado, em meio a cineastas, fotógrafos, críticos, artistas e meio mundo da arte, Sabiá foi surpreendido com um convite irrecusável. Uma baixinha paulista de olhos orientais chamada Tizuka Yamasaki, famosa diretora de cinema e TV, ao ouvi-lo tocando Rói-Rói, um tipo de brinquedo que faz o som de abrir e fechar de porta, perguntou se ele não queria participar de um grupo que iria para Cannes, na França. Sabiá só veio saber quem era Yamasaki dias depois, mas na hora já lhe deu a resposta positiva. Era final de 1988 quando Sabiá aterrissou na Europa, livre, leve e solto, batendo suas asas sem limites, sem gaiolas, sem fronteiras proibidas. Após o trabalho realizado na França, toda a equipe partiu para o Festival de Cinema de Berlim, na Alemanha. Todos voltaram para França, menos Sabiá. Sua intuição lhe dizia que deveria passar mais tempo naquela terra de história e cultura sem igual. Durante cinco meses ficou fazendo a arte que gostava, em estúdios fantásticos, junto a uma equipe de cinema de primeiro mundo. “Minha linguagem era universal. A língua da música”, explica Sabiá. Voltou ao Brasil apenas para solidificar suas decisões. Estava convicto que tinha achado seu ninho. Nunca deixou de frequentar, ligar ou ajudar a casa de seus pais e irmãos. Vindo quando podia para sua Mossoró raiz. No entanto, seu destino é não ficar parado. Instalou-se de vez a partir de 1989 na Alemanha, onde conheceu no ano seguinte a antropóloga Ute Mikiffer, com quem ficou casado por oito anos e de onde nasceu o filho Davi, hoje com 22 anos. Na relação com Cristina Feix, Sabiá foi contemplado também com uma filha: Dara, hoje com 15 anos. Durante um ano e meio morou no Quênia, continente africano, de onde se baseou para conhecer mais de uma dezena de países da África. Neste momento, estar no Brasil, mas precisamente nas capitais João Pessoa e Recife, a convite da Fundação francesa Jean-Luc Godard, assinando a trilha sonora de um documentário chamado ‘Canavial’, que conta a história dos negros que chegaram como escravos ao Brasil. O BOM DE MOSSORÓ se orgulha de contar a história de Sabiá da Costa, mas uma vez reforçando que todos nós podemos ser heróis de nossas próprias vidas. É só deixar nossas virtudes e talentos voarem como passarinhos, prendendo apenas nossos medos, valores e pensamentos negativos. Viemos para este mundo brilhar, pois somos luz divina do criador. Sabiá da Costa é uma prova viva desta luz que ilumina os caminhos por onde passa.

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