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UMA FAMÍLIA NO SEU PRÓPRIO TEMPO.

  • Foto do escritor: obomdemossoro
    obomdemossoro
  • 22 de set. de 2015
  • 4 min de leitura

MARIA LUCÉLIA E THIAGO ANDRÉ SOUZA

Todo dia ele faz tudo sempre igual. Arruma na sala do pequeno apartamento sua própria casa, feita de papel, cola e durex, e inicia os afazeres cotidianos. O helicóptero estaciona a certa distância. Coloca os móveis da sala, ajeita a cozinha, com as panelas sobre o fogão prontas para preparar o almoço do dia. A mesa e as duas cadeiras ficam um pouco separadas do fogão, geladeira e micro-ondas. Um animal vigia tudo, provavelmente simbolizando o cachorro que também é parte da família. Todos os móveis exatamente iguais aos da mãe. Nenhum detalhe passa despercebido por Thiago. Tem até mesmo o cuidado de ligar seu bujão de gás antes das bocas de seu fogão. Antes, no entanto, não se esquece de varrer seu espaço com a vassoura de papel e colocar o lixo em sua própria pazinha. No final da tarde guarda tudo, com o máximo cuidado, cada peça no mesmo lugar de sempre. Arrumando sempre lugar para as peças novas que o faz se entreter durante o tempo de seu mundo fictício, mas completamente real para sua mãe Lucélia. Esta é a vida do autista Thiago André, nascido em Mossoró no dia 24 de agosto de 1991, primeiro filho de Maria Lucélia Souza Costa, a esteticista nascida em Assu em 05 de setembro de 1977, filha única do areia-branquense José Souza Costa, aposentado, e de Felix da Costa, falecida. Tinha apenas quatro anos de vida quando sua família foi morar na praia de Redonda, onde estudou até o quinto ano do ensino fundamental.


DOENÇA E REVOLTA – Tudo caminhava bem na vida da família de Lucélia. O pai ganhava dinheiro tanto com seus dois barcos preparados para pesca do camarão, quanto na condição de ourives, comprando ouro em Juazeiro/CE e abastecendo os vendedores da região. A única casa naquela praia de alvenaria, com banheiro e tudo, mesmo sem agua encanada, era a deles. No entanto, ao menstruar a primeira vez, Lucélia ficou com sangramentos constantes, provavelmente devido o Lúpus, que somente há pouco tempo foi diagnosticado. Para descobrir qual era o mal da menina, a família recorreu a todas as possibilidades. Primeiro através da crença religiosa, em busca de tratamento espiritual. Em seguida, devido a vergonha, é que não teve jeito e procuraram os médicos em Mossoró, para consultas e exames adequados. Mas as dificuldades eram grandes naquela época, tanto que para fazer um ultrassom foi preciso vender a casa em que moravam. Quando de repente ficou boa, o pai, que havia perdido quase tudo que tinha a culpava por aquela situação. Diante desta relação conturbada que havia sido criada, surgiu a gravidez de Lucélia, fruto de uma ‘negociação’ do pai com um crediarista de 17 anos, envolvendo a menina que tinha apenas 13 anos. Revoltada e inocente, Lucélia assumiu a criança, apesar de nada saber como criar uma. Chegou há passar dois dias com ela em uma praça de Mossoró, fugindo daqueles que a queriam a tomar. Situação que só acabou sendo resolvida pela justiça, no fórum da família. A decisão foi que ela voltasse para a casa dos pais, em Redonda, e ficasse com a criança.

A MENINA MÃE TEVE QUE SE VIRAR – O ambiente na família havia se transformado. A casa agora era de taipa, por trás do pequeno cemitério daquela praia. No lugar do encanto daquela menina filha única, estava a revolta da mulher e mãe. O pai começou a abandonar a família bebendo e gastando tudo que ganhava. A mãe procurava costurar para ter pelo menos o pouco da sobrevivência. Aos 14 anos, Lucélia se via mãe, catando taioba na praia para comprar o leite de Thiago e comendo castanha assada dos muitos pés de caju que existia no lugar. Certo dia, após uma grande briga com o pai, pegou suas poucas roupas e veio para Mossoró, sem Thiago. Pelejou tanto que acabou conseguindo trabalhar na Usibrás, mesmo na condição de menor. Chegou fraca, sem alimentação adequada. A sorte foi que encontrou na gerente de serviços, responsável pela contratação, hoje sua grande amiga Maria Gomes, a sensibilidade necessária para ouvir sua história e apoiá-la. Assim que recebeu a farda da empresa, onde passou dois anos e meio, alugou uma casa no conjunto Abolição e trouxe a mãe e o filho para morar com ela. Havia conhecido e casado com um rapaz, com quem conviveu por dez anos, e desta relação nascera sua filha Yaskara Haglayne, em 1999, uma menina estudiosa, companheira e bondosa com o irmão, concluinte do ensino médio. Thiago, que desde novo já apresentava as dificuldades inerentes a um caso de autismo, teve confirmado o diagnostico no Hospital Mental de Mecejana, com a ajuda do plano de saúde que o esposo de Lucélia tinha.



A SUPERAÇÃO ATRAVÉS DOS AMIGOS E DO TRABALHO – No entanto, os tempos de calmaria começaram a se afastar. A mãe começou a ter problemas de saúde que acabaram a levando. Lucélia teve que deixar a empresa e tempos depois seu marido a deixou. Estava agora com dois meninos, sozinha no mundo, tendo que se virar, sem saber por onde começar. Por indicação de amigos, fez um curso de vigilante em Natal, pois em Mossoró ainda não tinha, e até 2011 não lhe faltou serviço em portarias de empresas como hotel, shopping e supermercados. Também teve um novo companheiro com o qual se relacionou por onze anos. E após dois novos cursos, um de cabeleireira e outro de esteticista, se encontrou com o seu próprio tempo ao se dedicar atualmente apenas ao atendimento domiciliar como esteticista. Entre 13 e 21 horas, diariamente, seu horário tem agenda cheia. O maior problema é o sol que tem que enfrentar, pois em fevereiro último foi diagnosticada com Lúpus, tendo, segundo ela, ‘o melhor tratamento do mundo’ no Hospital Onofre Lopes, em Natal. “Aprendi a lhe dar com o tempo, senhor da razão. Conviver com os meus filhos, com o meu trabalho, sempre de forma digna e feliz, respeitando o tempo deles dois. Assim vamos caminhando, agradecendo por ter sobrevivido aos piores anos e por ter hoje uma família especial, mas unida e vencedora. Esta é minha vida”, resume serenamente a super mãe e mulher Lucélia.


 
 
 

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Tenho amor incondicional pelas pessoas que entram em minha vida e sinceramente, não sei o quanto isso é bom nos dias atuais. Talvez esse seja meu pior defeito.

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