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DOIS BOLOS E DUAS GARRAFAS DE CAFÉ.

  • Foto do escritor: obomdemossoro
    obomdemossoro
  • 20 de set. de 2015
  • 6 min de leitura

MARIA BARACHO DA CUNHA

Nascida em Santana do Matos/RN no dia 24 de setembro de 1950, Maria Baracho, a filha caçula de João Rodrigues Baracho e Joana Senhorinha de Jesus (falecidos), teve uma trajetória de vida de dificuldades, como a maioria dos nordestinos, mas também de superação, através da fé, dos bons sentimentos e da solidariedade nos momentos essenciais. Sua família morava em terras do ex-senador Garibaldi Alves, irmão do ex-governador Aluízio Alves e pai do atual senador Garibaldi Filho, no município de Pedro Avelino. Muitas vezes, para alimentar a família de sete filhos, dona Senhorinha cozinhava cardeiro, a fruta do mandacaru, alimento destinado ao gado. Em 1958, na grande seca, vieram todos para cidade. Sobreviviam com a feirinha dos programas de emergência, além da mãe também fazer faxina nas casas das famílias com mais recursos. Quando Baracho tinha doze anos perdeu o pai, e a situação ficou ainda pior. Ela havia estudado apenas até a carta do ABC. Assim como os irmãos, não teve oportunidade de frequentar os bancos escolares. Vendo a situação difícil da família, Pedro Celestino, irmão de Senhorinha, a chamou para morar em sua fazenda, no distrito de Barrocas, município de Alto do Rodrigues. O acordo foi de ‘terceira’, ou seja, de toda a produção de algodão a família de Baracho ficava com a terça parte. Mas podiam consumir aquilo que plantassem ou criassem.

A TRAJETÓRIA DE UMA VIDA A DOIS – Foi justamente com um filho de Pedro Celestino que Baracho veio a se casar no ano de 1971, com o qual namorava desde logo que havia chegado por aquelas terras. Seu primo Miguel Pedro da Cunha se tornou um companheiro de vida e de lutas, até os dias de hoje. Viveram logo em terras da família plantando feijão, milho, melancia e melão. Em 1973, foram morar na cidade do Alto do Rodrigues, onde adquiriram um quiosque perto do mercado público, época em que o município começava a receber os investimentos na área de exploração de petróleo. Miguel matava e vendia criação, enquanto Baracho fazia o quiosque funcionar. Nasceram os dois primeiros filhos do casal: José Maria, que hoje trabalha em empresa prestadora de serviços para Petrobrás e tem quatro filhos; e Maria Joseneide (foto), companheira da mãe no restaurante, mãe de uma filha. Neste momento decidiram que era hora de buscar em Mossoró novas oportunidades de trabalho para Miguel, e realizar um sonho de Baracho de morar em uma cidade maior. Chegando aqui, Miguel logo foi trabalhar moendo gesso em uma fábrica, serviço duro que o deixou com sinusite e problemas respiratórios. Após dois anos e meio, entrou na fábrica Guararapes, onde Baracho já trabalhava no setor de costuras. Aqui nasceu Janaina, comerciária que deu dois netos ao casal, e Shirlana Lucia, atendente em clínica de fisioterapia mãe de um filho. Estas duas atualmente morando com os pais, assim como cinco dos oito netos, na rua Nilo Peçanha, Bom Jardim. O único irmão vivo de Baracho, portador do Mal de Parkson, também mora nesta casa, sob o seu cuidado e dos generosos sobrinhos. Baracho ficou até 1981 na Guararapes. Miguel ficou até o ano seguinte, quando a fábrica fechou de vez. “O que ganhávamos só dava para a alimentação. A sorte é que quando viemos do Alto do Rodrigues a venda da casa de lá deu para comprar a daqui”, conta. Com o dinheiro que recebeu da demissão, Baracho comprou um ponto no Mercado do Bom Jardim, dando 50% e combinando com o proprietário, seu Antônio, de pagar o restante com o apurado.

O ANJO LUÍS LUCAS – O dinheiro que sobrou desta negociação de confiança só deu para comprar uma geladeira, um fogão e umas panelas. Na verdade, Baracho estava insegura com tudo aquilo, pois não gostava de cozinhar e achava que sua comida não agradaria a clientela. No primeiro dia de funcionamento do ponto que chamou de Lanchonete da Baracho, levou dois bolos, comprados na padaria Aliança, e duas garrafas de café. Chega então o anjo que transformaria toda a sua vida. O marchante Luís Lucas, irmão do ex-prefeito Antônio Rodrigues e do Dr. Rodrigues, médico por demais conhecido na época, perguntou o que tinha para comer. Baracho respondeu que só tinha bolo e café. Ele insistiu, perguntando se não teria uma sopinha. Ela então foi sincera: “Não tenho dinheiro para comprar os ingredientes e nem vou comprar fiado, pois não gosto de ficar devendo”. Meia hora depois, Luís Lucas chega com dois pratos de balança, um com carne de ossos e outro com carne, e pergunta a Baracho se tinha como fazer uma sopa até 9hs daquela manhã, pois precisava alimentar seus trabalhadores. Ela afirmou que sim, e ele mandou entregar macarrão, arroz, creme de leite, feijão e verduras. Ossos na panela de pressão, verduras cozidas, mistura pronta: nasce a sopa da Baracho. O freguês chegou com sua turma e já marcou o almoço para mais tarde. Para surpresa de Baracho, cada um havia deixado o dinheiro embaixo dos pratos, sem que nenhum deles tivesse perguntado quanto tinha sido, até pelo fato de quem tinha comprado as coisas não havia sido ela. Na hora do almoço, a mesma coisa. Comida pé de serra, farofa de feijão com molho de carne, feijão de corda, tudo temperado com carinho. Vieram, almoçaram e colocaram o dinheiro em baixo do prato. Para Baracho, que não tinha nem a certeza se iria vender os dois bolos, aquele dia havia sido um milagre. À tarde, animada, foi às compras com a ajuda da mãe, que além de morar com ela passou a ser sua ajudante, lavando a louça e realizando outras tarefas. Dona Senhorinha foi seu braço direito até sua morte, ocorrida em 2001. No segundo dia de funcionamento a Lanchonete já servia mão de vaca, panelada e muitas outras opções que acabariam a transformando em um ponto de referência de Mossoró, servindo todas as refeições até às 16hs.

A FAMÍLIA EM TODOS OS MOMENTOS – Com o tempo, os familiares foram aderindo ao negócio de Baracho. A filha Joselene aprendeu com seu Adelino, da padaria Aliança, a fazer bolos de diferentes sabores: batata, milho, fofo e de leite. Fazia dez bolos todos os dias. Outros filhos, genro e a nora também foram ajudando na medida das necessidades. Enquanto isso, seu Miguel, que depois da Guararapes trabalhou em fábrica de cimentos, colocou um comércio na pedra do Mercado Central para venda de cereais, negócio que tem até hoje. Já 1983, quando da festa de Santa Luzia, Baracho teve a determinação de colocar uma barraca com todo o seu cardápio, contando com seis colaboradores. O retorno foi além do esperado. No ano seguinte, no evento denominado ‘Carnaval, Tem Sim Senhor’, promovido pela Prefeitura Municipal, ela colocou mais uma vez um ponto na Praça de Alimentação do evento. Outros donos de barracas chegaram a lhe esnobar, pois achavam que ela deveria ficar em um ponto menos privilegiado, não ao lado de tradicionais empresas da alimentação do município. “Nas reuniões eu falava pouco, pois sou tímida. Representantes da própria Prefeitura chegaram a me dizer que se eu não desse conta de decorar a barraca em alto estilo, ou se não pudesse levar um serviço de qualidade, seríamos retirados da Praça”, conta Baracho. “Devido a esta pressão, deixei para decorar tudo de última hora, tirando meus cardápios e comandas impressos só na hora da abertura da barraca, tudo para não dar aos meus concorrentes o gostinho do que havíamos preparados para a ocasião”, relembra com orgulho. O próprio secretário de Cultura na época, Gustavo Rosado, ao ver tudo arrumado, fez questão de dar um forte abraço na anfitriã. Mas a maior surpresa foi receber, durante os dias da festa, os pedidos do então prefeito Dix-huit Rosado de sua tripa de porco saborosa. Foi aí que Baracho teve o reconhecimento da cidade, ganhando neste evento, inclusive, o troféu de Melhor Barraca. Desde então, Baracho leva seu restaurante para todos os eventos promovidos pela municipalidade, o que lhe deu a condição de poder ter uma vida mais tranquila, ajudando filhos e netos a estudarem, formarem-se e viverem com mais qualidade e oportunidades. Depois de cada evento, investe seus ganhos em imóveis que são transformados em renda mensal. Aposentada devido problemas cardíacos, deixou de ajudar seu Miguel no mercado desde o ano passado. Mas não gosta de faltar aos sábados e domingos em seu ponto no espaço onde funciona a Feira do Bode. “Lá me divirto com o movimento dos filhos, genros e netos, além de manter uma relação de amizade e carinho com meus fregueses, gente fiel à buchada e tripa de porco da Baracho. Manter esta tradição faz com que sempre me lembre da força da solidariedade. Estender a mão a alguém às vezes é tudo que ele precisa para se levantar e mudar totalmente o seu destino”, comenta, lembrando sua própria história.

 
 
 

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Tenho amor incondicional pelas pessoas que entram em minha vida e sinceramente, não sei o quanto isso é bom nos dias atuais. Talvez esse seja meu pior defeito.

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