BONECA DE PANO VIROU GENTE.
- obomdemossoro
- 10 de ago. de 2015
- 4 min de leitura

MARIA NILDA FERNANDES DA ROCHA
A vida não anda fácil para a grande maioria dos brasileiros. Todos estão tendo que se virar para conquistar um espaço no mercado de trabalho, sobreviver, pagar as contas e se sentir útil como cidadão. Maria Nilda sabe muito bem como é isso, pois já aos nove anos teve que ir à luta, ser dona de seu próprio nariz. Para ela, colocar a fantasia de Emília e vender suas saladas de frutas na esquina da loja Riachuelo é apenas mais uma batalha a ser ganha na grande guerra que se tornou sua vida. Nascida em Pau dos Ferros em 10 de junho de 1970, a caçula de quatro irmãos chegou ao mundo sem muita paz. A mãe, Maria Helena da Silva, já enfrentando problemas com o alcoolismo, viu seu esposo, Josias Fernandes da Rocha, levar seus três filhos mais novos para Mossoró a deixando apenas com a mais velha, Maria Elenilda. Josimar e Josieldo, bem como Maria Nilda, esta com apenas sete meses de vida, vieram morar na casa da avó paterna, na rua Juvenal Lamartine, onde passaram toda a infância. Nilda estudou no Lar da Criança Pobre apenas até o segundo ano do ensino fundamental. Arredia com a situação que vivia, pois eram muitos os netos para a vó criar e nem sempre dava para ela agradar a todos, ficava com a sensação de estar jogada no mundo, com o pai sempre ausente e a mãe distante, a qual veio conhecer mesmo quando já tinha 12 anos. “Eu tinha nove anos quando uma amiga, Iniziete Morais, me incentivou a trabalhar como babá. Meu pai tinha ido para São Paulo, de onde não mais voltou, e eu senti que teria que me virar. Arranjei serviço em uma casa onde a família gostava muito de mim e entrei para escola do mundo, onde a gente aprende tudo por conta própria”, conta.

A AVENTURA PELO BRASIL – Preocupados com a independência de Nilda, os avós maternos vieram busca-la para ficar com a mãe em Pau dos Ferros. Lembra que a viagem foi ainda de trem, com descida em Patu e depois locomoção de carro até a cidade do alto oeste. “Todos queriam que eu ficasse por lá, mas eu chorava muito para voltar, principalmente quando ouvia a música Pai, de Fábio Junior. Nesta hora caia nos prantos”, revela. Neste período, sua irmã casou com um gerente de uma empresa do governo federal e a chamou para morar com eles em Belo Horizonte/MG. Vivendo de forma atribulada com a irmã, pois essa lhe batia e a acusava de ser a ovelha negra da família, Nilda aproveitou que o cunhado iria ser transferido para São Paulo e disse que preferia voltar para Mossoró. Quando aqui chegou, apesar de ter feito contato com a família, preferiu morar com umas amigas, demonstrando já possuir total independência. “Trabalhava nas casas e ganhava meu dinheiro. Era tão decidida e corajosa que resolvi viajar para São Paulo, onde já estava meu irmão mais velho. No entanto, logo quis voltar, pois não me dei bem por lá e Josimar já estava com problemas de saúde após a morte de nosso pai, vítima da doença de Chagas”, lembra. Sem dinheiro, Nilda diz ter chegado a Mossoró após mais de um mês andando de carona com caminhoneiros. Passou por Brasília, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Bahia, Ceará e, de destino em destino, passando fome e frio, enrolando e fugindo daqueles caminhoneiros que sempre queriam algo a mais, chegou novamente a capital do oeste potiguar. Tinha 18 anos e sofria com os questionamentos da família. Sentia-se cobrada, sem ter tido nada em troca. Trabalhando nas casas, passou a viver em festas nos finais de semana, se divertindo o quanto podia. Neste período ficou grávida e ganhou seu maior tesouro: seu filho Danilo Fernandes, 20 anos, com quem mora, estudando para vestibular e trabalhando como jovem aprendiz em uma empresa prestadora de serviços da Petrobrás. “Meu filho me dá a certeza que vale a pena lutar, trabalhar e nunca desistir. Por acharmos que estamos sós neste mundo, muitas vezes recorremos às drogas ou partimos para fazer coisas erradas. É um grande engano a nós mesmos. Quem tem saúde e disposição deve acreditar sempre e não ter vergonha de ser o que é. Passei muito preconceito, mas apesar das dificuldades sempre tive força interior para superar, acreditando em Deus e buscando meus direitos como cidadã”, explica.

A CRIAÇÃO DA PERSONAGEM – Com um filho para criar, Nilda trabalhou em hotéis, restaurante, escritório como auxiliar de serviços gerais e também como vendedora autônoma de perfumes e cartelas de bingo, além de entrar na área de propagandista de lojas. Criou o personagem Emília exatamente pelos resultados obtidos por seu desempenho como vendedora. “Quando eu vendia cartelas de bingo as pessoas me chamavam de ‘Nega Maluca’ pela forma como eu oferecia o produto, extrovertida e espalhafatosa, bem como devido a roupa que eu usava: um leg vermelho, com short jeans por cima, camisa da empresa e um chapéu”, relata. Para bater as metas de venda Nilda tinha que se virar, usando a criatividade como principal arma. “Os outros vendedores queriam meus clientes, era uma luta acirrada”, resume. Foi quando ela decidiu vestir-se da personagem Emília, do Sítio do Pica Pau Amarelo, realizando também um sonho de criança, quando queria entrar nos aparelhos de TV para fazer parte daquele mundo artístico. “Não pude ser da televisão, mas fui ser artista da rua, distribuindo alegria e sorrisos verdadeiros, algo tão necessário para todos nos dias de hoje”, argumenta. O fim das cartelas de bingo e o retorno financeiro baixo para tanto esforço, fez com que Nilda buscasse novas ideias para seu sustento e de seu filho. No natal de 2009, sem dinheiro, ela pediu a Deus que abrisse seus caminhos. No outro dia vendeu um jogo de malas para viagem que não mais lhe servia por R$ 200,00, pegou R$ 80,00 e comprou de frutas. Vestiu-se de Emília e pela primeira vez na vida saiu para trabalhar por conta própria, vendendo o que ela mesma produzia, utilizando seu marketing pessoal para formar uma grande clientela de suas saladas de frutas. “Está dando certo. Assim como minha vida, meu produto é uma mistura de sabores e cores que deu certo. Sinto-me realizada por chegar neste momento com a sensação de ter superado com coragem muitas dificuldades e continuar disposta a crescer, lutando e aprendendo sempre”, finaliza.
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